Acho que
ouvi ele falar um milhão de coisas naquela tarde quente do mês de
fevereiro, cujo dia, já não
sei precisar. Coisas sobre as qualidades que eu tinha, sobre o que eu
deveria fazer, enfim, um falatório interminável que, aquela
altura, já me fazia rezar para que ele calasse a boca. É que
apesar da imensa vontade de me ajudar, acho que ele falhava na tarefa
mais simples: Me entender, se pôr no meu lugar; Me ver como o ser
deslocado que eu sempre tinha sido, como alguém se punha de fora
mais por conveniência do que por inadequação.
Encostei a
cabeça na parede, deixando o corpo relaxar no chão frio, enquanto fingia dar
alguma atenção às considerações do meu camarada. Afinal ele nunca
poderia tocar todo o caos que era o meu interior daquela forma.
Foi então
que comecei a ouvir uma guitarra que parecia estar rugindo, que
parecia realmente mostrar raiva por tudo sem perdoar coisa alguma.
Uma batida com uma força eu que não sabia explicar, mas que me dizia
para ficar de pé e gritar com alguém, olhar no espelho e gritar de
novo.
“Você
está com raiva, eu sei, então grite”, era
isso que eu ouvia. A voz melancólica que conduzia a melodia
compassada, de uma ora para outra se transformava em um berro rouco e
estridente que fazia exatamente o que eu precisava fazer naquele
momento: gritar, de dor, de tristeza, de raiva de tudo... Já não
importava, eu precisava gritar.
Eu não tinha ideia do que raios a letra dizia, mas eu não dava a
mínima, e gritei, tentando acompanhar a melodia, eu gritei. Senti os
pelos do meu corpo ouriçarem; A dor estava diminuindo enquanto a
raiva aumentava. Agora eu estava de pé, não queria morrer nem
chorar, eu queria era ficar com muita raiva e deixar que ela
assumisse o comando no lugar da dor. Gritar era um santo remédio.
Graças a um vizinho mal educado que tinha por costume ouvir rock em
um volume descomunal, tive a sorte de ouvir algo que traduziria tudo
o que eu realmente queria dizer em som, e de repente eu só queria
saber o que estava ouvindo, para assim, poder ter mais.
E foi assim, anos depois da morte de Cobain, que pude ouvir ele
falar comigo; Que pude constatar que música não precisa dizer uma
palavra para falar à nossa alma; Que pude saber de sua história e,
mais tarde, do mito que Cobain se tornara.
O
que quer que as nossas histórias tivessem em comum para mim não
importava, isso não fazia diferença. Tudo o que sempre fez
diferença dali em diante foi o que sua música trazia à tona em
mim, bem como tudo o que o Nevermind
representou para a música em todo o mundo; O quanto ele foi capaz de
ensinar que, independente do que se diga sobre o assunto, a força da
boa música sempre estará nos sentimentos que ela ajuda a
desencadear e compartilhar.
O
resumo disso tudo, é que a sensação daquele dia nunca passou e o
Nirvana
também não.
Agora
quando o meu amigo está triste ouvimos música juntos e, depois de
horas gritando exaustivamente as letras, rimos e dizemos um ao outro:
“Nevermind
dude, nevermind”.
P.S.:
Obrigado,Kurt Cobain, por me ensinar tanto sobre música e sobre mim
mesmo. Este é o meu tributo não só ao Nevermind,
mas ao incorrigível homem triste que o tornou possível.
Nevermind dude, nevermind !!
ResponderExcluirShow, perfeito, lhe admiro muito . Amei (=
ResponderExcluirImaginei a casa do de Assis na narrativa. Impressionante como este aniversario deixou a nos todos nostalgicos e saudosos de outros tempos.
ResponderExcluirE foi exatamente a este lugar que a narrativa se referiu...
ResponderExcluirImpressionante...mesmo!
Não pensei que alguém além de mim pudesse dar conta deste detalhe.
coincidência ^^, bom ver vc.
ResponderExcluirBom ver vc tbm Lee, sempre é^^.
ResponderExcluirMelhor queimar do que se acender aos poucos...sempre Kurt!
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