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sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Confissões de humanidade nos bares da cidade sem fim


            Filosofia de mesa de bar, meu Deus, não há nada mais confortável do que analisar a vida sentado num desses estabelecimentos de quinta categoria enquanto se espera que a comida chegue.
            O fato é que aqui, na minha posição de homenzinho chateado, hoje parece um ótimo dia para ser ranzinza, fazendo caretas e tentando não ser condescendente com as barbáries que tenho que aturar e aceitar como parte do que conduz as pessoas, seja lá para onde elas pensem que estão indo.
           É difícil entender como conseguimos ser tão mesquinhos; como podemos ascender a tantos níveis diferentes de pequenice, de pobreza de espírito e incompreensão da existência.
           Não digo nada novo; sou voto vencido escrevendo sobre a mesa do boteco, enquanto tento superar o enjoo que sinto pela mulher na mesa de frente que insiste em me lançar olhares.
           Noite solitária regada a pastel de frango (o mais barato) e latinhas de refrigerante.
           Eu não sei em que mundo estou... As coisas que penso tem me deixado distante, mas entrego as notas sujas na mão do garçom enquanto peço que ele me traga uma cerveja
           Mendigos. Estão por toda parte. Houve um tempo em que eles me deixavam realmente sensibilizado, hoje eu finjo que ignoro e tento ignorar o fato de quase ter que mendigar as vezes.
           É tudo parte da mesma bagunça que move a esquemática da nossa espécie; as escolhas nascem feitas para gente como eu, e as opções passam a ser viver encaixado entre tudo o que se considera repulsivo na sua própria gente, ou explicitar a mentira contida em tudo que é essa piada que chamamos de civilização e, obviamente, arcar com as consequências.
           Cerveja, é disso que eu preciso, cerveja para me entupir de gás e álcool enquanto alimento o monstro do corporativismo e fortaleço, quase inocente, a máxima capitalista e cotidiana do consumismo. Vai que eu esqueço tudo depois de um porre; Vai que a ressaca física seja bem menor que a moral; Vai que os copos de cerveja possam me ensinar tudo o que a igreja de alguns quarteirões de distância daqui não ensina aos homens que sempre fazem de si o alvo maior de qualquer bem, ignorando todo o resto.
           Risos nas mesas ao redor e eu aqui me perguntando do que diabos esta gente está rindo. Será que algum deles para pra pensar em algo além dessas futilidades que cercam todos nós? Essa constante busca por encaixe que eles parecem nem entender e apenas querem tomar parte? A verdade é que isso me enjoa, mas deixe estar, eu devo mesmo ser paranoico por pensar que o mundo teria jeito se as pessoas pensassem sobre o assunto, afinal eu penso e não dou jeito nem em mim mesmo.
           Ah, o garçom; mais cerveja; pagamento, troco e gorjeta magra... É deve ser um tipo de relacionamento. Pelo menos ele não faz perguntas para que eu tenha que inventar respostas.
           A noite segue. Os carros vão passando de maneira esparsa, com seus faróis brilhantes e motoristas altivos, bem como os pedestres que a essa altura já não são tantos.
           Os cães revirando os sacos do outro lado da rua me fazem pensar no quanto seria interessante remexer naquele lixo sem ter consciência de que era lixo. Tenho inveja da inocência dos cães desde que perdi a minha.
           Um gato me roça a perna e eu penso que se pode comprar certos amigos com sobras de frango, e quando a noite parece já ter me mostrado tudo quanto poderia de degradante, olho para a gritaria à minha direita e voile: uma legitima briga de boteco se desenrolando. Socos e pontapés trocados entre os dois viventes que por alguma banalidade acharam que deveriam ir às vias de fato.
           Enquanto os dois se engalfinham eu penso cá com os meus botões no quanto eu e minha espécie nos valemos da mediocridade para impôr nossa vontade de ter poder sobre alguma coisa, como se isso realmente justificasse algo. Certos fins não justificam nada, nós já deveríamos saber.
           Algumas garrafas e dentes quebrados depois, chega a polícia com o seu jeito já característico de agir. Não importa o motivo ou o quem começou, vai todo mundo pro xadrez e fim de espetáculo.
           A mulher da mesa a frente continua me olhando depois de tudo. Sabe, depois dessa cerveja ela deve parecer mais simpática.
           Pensamento voando como sempre depois de umas e outras; turbilhão de cores e sons, mnemonia com gosto de malte e cheiro de perfume doce. Eu quase ouço música, mas não ouso dizer seu nome, nem baixinho, nenhum nome, nunca mais.
           Certo. Pois sobra então tudo o que não machuca tanto. Sobram as luzes da cidade e o riso frouxo das mesas em volta; sombram os cãezinhos que remexem no lixo com sua inocência resguardada na incapacidade de enxergar a sua ou a nossa posição; sobra-me o meu amigo barato, agindo em defesa dos interesses do seu estômago...
           Outra cerveja, e a mulher da mesa de frente já me parece bem mais interessante e, de algum modo, me traz à memória alguém de quem não consigo lembrar o nome; Sinto de repente a necessidade de esquecer tudo o que considero tão mesquinho nos homens e percebo que tudo o que realmente me fica por fim desta noite, é o que sempre resta aos sozinhos em situações como esta.
           Um brinde à bondade da dama à minha frente e nenhum pensamento a mais.

2 comentários:

  1. Narrativa muito bem feita, me senti no cenario punk gotico. Belo trabalho, triste harano.

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  2. Grato, o fato de ser seu o comentário me faz coceder-lhe o dobro da consideração bem como da gratidão.

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