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sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Nos dias de chuva

        Nos dias de chuva a vida parece mais lenta. Queria mesmo saber chorar no ritmo da água.
     Ah, mas se eu ao menos soubesse chorar, se eu soubesse me tornar um com o resto das gotas me desmanchando em lágrimas, e depois me projetando para todas as direções fazendo parte de tudo e nada ao mesmo tempo. Mas fico a observar as gotas, triste; quase estático. Sou tão limitado... Odeio não me sentir a vontade.
        Eu caminho, observo várias direções sentindo o vento. De repente me dá vontade de gritar na porta da tua casa só para perguntar se não gostarias de me acompanhar pela chuva adentro. Meu argumento: ”Deus está na chuva, venha visitá-lo comigo e diremos àqueles que esqueceram Deus que ele está na chuva batendo à porta”.        
        Mas sei que não virias e, por algum motivo, isso não faz de mim nem mais feliz e nem mais triste. Sou um homenzinho que perde gradualmente sua sensibilidade bem como sua sanidade; O que tenho só me tem dado uma poesia amarga e saturada que desonra o mais chorão dos poetas.
        Queria era escrever uma carta, uma grande compilação de tudo o que os dias sem chuva omitem de mim e de tudo o que Deus me sopra ao ouvido quando estou correndo sem direção entre gotas d’água. Mas sempre esqueço tudo, e é como vislumbrar o paraíso sem poder contar nada. Tenho acordado tão dormente que o frio não me incomoda, nada me machuca e no fim, é isso o que dói.
        Mas agora nada importa tanto, e nada importará enquanto eu puder ignorar tudo ( que vida é essa em que vivo correndo atrás de espelhos e assistindo eles se quebrarem ao meu toque? ).
        Na verdade eu quis chorar lendo uma amiga, simplesmente não pude chorar por tudo de mim que ela escreveu sem saber - porque era eu também que estava no papel.
       Ela não sabe o quanto se pode amar alguém pelas palavras. Eu a amei, por toda extensão do seu escrito, e a desejei como parte minha de qualquer maneira que fosse, e pensei em um milhão de motivos pelos quais podia querer ela entre os meus braços por algum tempo antes de dizer-lhe adeus, e tudo isso não durou cinco minutos; Depois disso lá estava eu: Vazio, triste, um homenzinho chateado esperando pelas próximas gotas de chuva e apoiado na esperança de que não estava sozinho em definitivo.
        Começou a chover novamente, e eu corro para o meio da chuva, porque Deus está na chuva, e eu vou correr na chuva para chorar por Deus, pelos meus grandes amores e por mim nem que seja uma lágrima só.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Moderníte aguda

        O meu mundo é moderno, politizado e globalizado. Tem um número sem fim de intelectuais, músicos, médicos e mendigos; Pessoas de todos os tipos, todos os tipos de ideia. Entre as ruas, guetos e favelas. Em cada espaço ocupado existe uma novidade anunciada: “Pague-me atenção, pois preciso que me vejas".
        O meu mundo, de gente preocupada, que trabalha e paga conta, que vive uma vida massiva em busca de encaixe e entrega em vários níveis. Tão cheio de linguagens e cifras; tão abarrotado de opiniões e objetivos; tão aterrorizante de minuto em minuto; tão sinfônico, metódico, harmônico, afônico...
        Existe um recado em cada rosto, está lá tudo muito bem escrito na transparência dos sorrisos desdentados e das pessoas que riem de tudo; Nos gestos, nos olhares, e nas palavras caladas por um vocabulário carente. 
        Existe qualquer coisa muito certa, tão certa que mantém todos suficientemente longe mesmo a dois passos de distância. Olhem comigo se a vida não é perfeita?Temos um sistema não temos? Nós estamos encaixados, somos felizes humanos, fazemos parte de alguma coisa.
         E o importante é estar encaixado, não importa onde, encaixe-se e você salvará sua alma e seu estômago da fome; Você será parte do grande mundo moderno, politizado e globalizado. Tão belo mundo cheio de pessoas que nunca saberão quem você realmente é.
         Ninguém precisará nunca saber que sofres. Estarás incluído, pagarás teus tributos, serás homem de bem e poderás dizer a todos de teu sucesso como trabalhador e amante de uma ou de muitas. Falarás como te mandarem; farás o que te disserem que é correto; terás rótulos e insígnias e poderás cantar canções tristes quando estiveres sozinho e ninguém estiver vendo.

        Aos poucos aprenderás a lidar com a culpa e tua sanidade estará salva.

        Estamos livres para ignorar uns aos outros, a nos reter dentro de nós mesmos dizendo que há culpa maior em outra parte de sermos tão insensíveis a tudo o que nos ocorre tão obviamente. Isso apenas denuncia a nossa carência. Nós sabemos lidar com o esquecimento e o descaso melhor que ninguém. Formamos famílias sem diálogo e montes e montes de gente que odeia o que faz. Não podemos nos dar ao luxo de reparar  no quanto as coisas saíram do controle e o quanto nós estamos perdidos de tudo o que realmente tornou a vida relevante no decorrer dos séculos.
        O meu mundo moderno politizado, globalizado, é carente e cego, e estamos passando e passando sem reparar que somos responsáveis uns pelos outros... O que adorna e consola não me serve, e eu escrevo o que escrevo apenas porque não sei mais rezar.

domingo, 25 de setembro de 2011

Nevermind (O meu tributo a Kurt Cobain)

        Um belo dia, depois de um evento que havia ocasionado outra das minhas já inúmeras expulsões de casa, eu estava estendido num canto de sala. Estava absolutamente desolado com uma série de fatores, e tentava entender o que raios havia de errado comigo enquanto um amigo tentava me convencer de que isso que eu sentia passaria cedo ou tarde.
        Acho que ouvi ele falar um milhão de coisas naquela tarde quente do mês de fevereiro, cujo dia, já não sei precisar. Coisas sobre as qualidades que eu tinha, sobre o que eu deveria fazer, enfim, um falatório interminável que, aquela altura, já me fazia rezar para que ele calasse a boca. É que apesar da imensa vontade de me ajudar, acho que ele falhava na tarefa mais simples: Me entender, se pôr no meu lugar; Me ver como o ser deslocado que eu sempre tinha sido, como alguém se punha de fora mais por conveniência do que por inadequação.
        Encostei a cabeça na parede, deixando o corpo relaxar no chão frio, enquanto fingia dar alguma atenção às considerações do meu camarada. Afinal ele nunca poderia tocar todo o caos que era o meu interior daquela forma.
        Foi então que comecei a ouvir uma guitarra que parecia estar rugindo, que parecia realmente mostrar raiva por tudo sem perdoar coisa alguma. Uma batida com uma força eu que não sabia explicar, mas que me dizia para ficar de pé e gritar com alguém, olhar no espelho e gritar de novo.
        “Você está com raiva, eu sei, então grite”, era isso que eu ouvia. A voz melancólica que conduzia a melodia compassada, de uma ora para outra se transformava em um berro rouco e estridente que fazia exatamente o que eu precisava fazer naquele momento: gritar, de dor, de tristeza, de raiva de tudo... Já não importava, eu precisava gritar.
        Eu não tinha ideia do que raios a letra dizia, mas eu não dava a mínima, e gritei, tentando acompanhar a melodia, eu gritei. Senti os pelos do meu corpo ouriçarem; A dor estava diminuindo enquanto a raiva aumentava. Agora eu estava de pé, não queria morrer nem chorar, eu queria era ficar com muita raiva e deixar que ela assumisse o comando no lugar da dor. Gritar era um santo remédio.
        Graças a um vizinho mal educado que tinha por costume ouvir rock em um volume descomunal, tive a sorte de ouvir algo que traduziria tudo o que eu realmente queria dizer em som, e de repente eu só queria saber o que estava ouvindo, para assim, poder ter mais.
        E foi assim, anos depois da morte de Cobain, que pude ouvir ele falar comigo; Que pude constatar que música não precisa dizer uma palavra para falar à nossa alma; Que pude saber de sua história e, mais tarde, do mito que Cobain se tornara.
        O que quer que as nossas histórias tivessem em comum para mim não importava, isso não fazia diferença. Tudo o que sempre fez diferença dali em diante foi o que sua música trazia à tona em mim, bem como tudo o que o Nevermind representou para a música em todo o mundo; O quanto ele foi capaz de ensinar que, independente do que se diga sobre o assunto, a força da boa música sempre estará nos sentimentos que ela ajuda a desencadear e compartilhar.

        O resumo disso tudo, é que a sensação daquele dia nunca passou e o Nirvana também não.

        Agora quando o meu amigo está triste ouvimos música juntos e, depois de horas gritando exaustivamente as letras, rimos e dizemos um ao outro: “Nevermind dude, nevermind”.




        P.S.: Obrigado,Kurt Cobain, por me ensinar tanto sobre música e sobre mim mesmo. Este é o meu tributo não só ao Nevermind, mas ao incorrigível homem triste que o tornou possível.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

A carta de dezessete de julho


         O tempo frio me deixa com vontade de escrever cartas, sem razão exata, só escrever cartas. Cartas tristes, apaixonadas, cartas novas com velhas coisas sobre mim e sobre o mundo como eu vejo.
        Eu sempre escrevi sabe, mesmo quando não sabia o que era exatamente que escrevia, mesmo quando era em papel de pão ou capa velha de disco, e sempre de alguma forma me senti destinado a dar a mim mesmo alguma chace de dizer o que ninguém parece querer ouvir, mesmo quando as cartas já não tinham destinatário, mesmo quando o amor faltava nas linhas e mesmo quando parecia uma imensa perda de tempo como me parece neste dia dezessete de julho no qual, a cada repetição da data, sempre escrevo algo mais e mais sem graça.
        A verdade é que, com o passar do tempo, vão-se as ilusões da infância e o abandono que se sente quando elas vão embora segue despontando na alma junto com as mnemônicas recordações de qualquer coisa.
        Que chato!Sempre uma coisa leva a outra não? Com o tempo, quando se vive como eu vivi e sigo vivendo, vai-se quase tudo. vão-se as coisas, os gostos, os cheiros, e você começa a sentir que tudo está ficando assustadoramente menor que tudo e maior que nada...e acaba que, sem que você perceba, as cartas já não têm destinatários, você já não quer falar de si mesmo e tudo o que realmente deixou alguma marca está do lado de dentro, e você acaba por pensar que quer esquecer tudo tudo para não ter que acordar com você mesmo no dia seguinte, sozinho de novo; triste de novo.
        As cartas são as mesmas? Não sei, mudei muito com o passar dos anos, cada vez sou menos eu. Alguns poetas dizem que estamos sempre escrevendo o mesmo poema de uma outra forma. Pois é...

        Devo seguir esse mesmo princípio.

         As pessoas são as mesmas? Olhando daqui até parece, mas de fato não sei, estou da porta para fora e só elas e suas atitudes me dirão o quão certo ou errado eu posso estar sobre tudo o que posso realmente ter delas.
        A vida é a mesma? É o único ponto onde posso afirmar com certeza que sim. O mundo é o mesmo e ele transpira ganância e maldade; os homens em sua maioria são frios e corruptos -salvo um ou outro anjo que de tempos em tempos desponta no meu horizonte.- E eu não sou tão diferente deles quanto gostaria.
        Eu queria tanto ser santo sabe, os santos são tão bons e tão excelsos que nunca precisarão escrever cartas explicando a sua humanidade a si próprios; eles não precisam cobrar o preço de ter consciência, de fazer absoluta e repudiável ideia sobre as coisas, eu preciso e eu cobro como ninguém se atreve a pensar possível e sinto como ninguém nunca saberá realmente. Mas a minha santidade está perdida entre os meus suspiros e os soluços que ouvi uma vez em alguma noite fria deste mesmo mês.
        Mas pensando bem deve mesmo ser sim a mesma carta, outro fragmento de fragmento, outro pedaço do meu despedaçado peito, preso em algum século passado por apoiar alguma revolta camponesa, e eu escrevo para ver ressoar no vento de outras ideias todo esse nada que eu sinto, o vazio, a ausência, o eco do meu grito que ninguém parece mesmo ouvir. A carta é infinita se puder seguir com o vento e eu conto ao vento as minhas mágoas para não incomodar ninguém e faço do papel meu confidente porque alguém precisa saber algum dia.
        O tempo frio antes não dava sono nem náusea, hoje eu tenho muito sono e muito enjoo, e tenho certeza de que preciso dormir para acordar para dentro, dormir para me encontrar de algum jeito, ou esquecer tudo o que sei, ou me perder de vez, ou mesmo não vomitar enquanto olho o espelho e esfrego as mãos sujas sobre a boca mal desenhada; preciso mesmo dormir porque assim nem sofro, nem escrevo, só durmo e dormindo talvez possa ser santo. 

        A pausa da grande carta, o ingênuo sono.


domingo, 18 de setembro de 2011

Salmo contemporâneo


           Caminhei Saltando em um pé só à beirada do abismo. Saltitei displicente entre colapsos dementes de entusiasmo sem medo, pois que medo eu teria? O senhor era meu apoio e meu guia.
           Quando tantos caiam à minha esquerda e direita; Quando já não havia razão para pressupor qualquer fé ou coragem de qualquer tipo; senhor eu nada mais ouvia, pois era só tua sentença que me interessava, e esta só do senhor viria.
           Que fosse feita a tua vontade e que eu presenciasse tantas quedas quanto me permitisses. Nada além do teu querer moveria meu corpo ou motivaria meus atos, e se tivesse que ouvir alguma coisa, nada mais ouviria que não a tua voz a me tranquilizar e afagar meus ouvidos.
           Orei e orei satisfeito, e quando algum machucado doía que se deixasse doer, pois o senhor meu Deus via tudo, e de certo por mim proveria.
           E quando por fim houve de eu cair, quando saltei para dentro do próprio abismo sem fé ou esperança de retorno, vi toda a potestade divina gritar meu nome em coro. Mas eu já não era eu mesmo, e cada anjo que tentava o meu resgate sete vezes me amaldiçoava.
           Chorei lágrimas com sete vezes mais sal, e quando no fundo do abismo uma voz perguntou-me: “Como pôde cair se sabias que o senhor te amava e sempre estaria contigo; se sabias com tanta segurança que te daria o que quisesses dentro de seu reino glorioso; como pôde abrir mão de tudo isso?”.
           Respondi entre soluços de maneira tão simples quanto pude: “Estaria eu sempre em debito com o criador e isso me atormentava como um terrível castigo; preferi deixá-lo e fugir com a minha dor, pois nada nunca pagaria o seu amor para comigo”.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Confissões de humanidade nos bares da cidade sem fim


            Filosofia de mesa de bar, meu Deus, não há nada mais confortável do que analisar a vida sentado num desses estabelecimentos de quinta categoria enquanto se espera que a comida chegue.
            O fato é que aqui, na minha posição de homenzinho chateado, hoje parece um ótimo dia para ser ranzinza, fazendo caretas e tentando não ser condescendente com as barbáries que tenho que aturar e aceitar como parte do que conduz as pessoas, seja lá para onde elas pensem que estão indo.
           É difícil entender como conseguimos ser tão mesquinhos; como podemos ascender a tantos níveis diferentes de pequenice, de pobreza de espírito e incompreensão da existência.
           Não digo nada novo; sou voto vencido escrevendo sobre a mesa do boteco, enquanto tento superar o enjoo que sinto pela mulher na mesa de frente que insiste em me lançar olhares.
           Noite solitária regada a pastel de frango (o mais barato) e latinhas de refrigerante.
           Eu não sei em que mundo estou... As coisas que penso tem me deixado distante, mas entrego as notas sujas na mão do garçom enquanto peço que ele me traga uma cerveja
           Mendigos. Estão por toda parte. Houve um tempo em que eles me deixavam realmente sensibilizado, hoje eu finjo que ignoro e tento ignorar o fato de quase ter que mendigar as vezes.
           É tudo parte da mesma bagunça que move a esquemática da nossa espécie; as escolhas nascem feitas para gente como eu, e as opções passam a ser viver encaixado entre tudo o que se considera repulsivo na sua própria gente, ou explicitar a mentira contida em tudo que é essa piada que chamamos de civilização e, obviamente, arcar com as consequências.
           Cerveja, é disso que eu preciso, cerveja para me entupir de gás e álcool enquanto alimento o monstro do corporativismo e fortaleço, quase inocente, a máxima capitalista e cotidiana do consumismo. Vai que eu esqueço tudo depois de um porre; Vai que a ressaca física seja bem menor que a moral; Vai que os copos de cerveja possam me ensinar tudo o que a igreja de alguns quarteirões de distância daqui não ensina aos homens que sempre fazem de si o alvo maior de qualquer bem, ignorando todo o resto.
           Risos nas mesas ao redor e eu aqui me perguntando do que diabos esta gente está rindo. Será que algum deles para pra pensar em algo além dessas futilidades que cercam todos nós? Essa constante busca por encaixe que eles parecem nem entender e apenas querem tomar parte? A verdade é que isso me enjoa, mas deixe estar, eu devo mesmo ser paranoico por pensar que o mundo teria jeito se as pessoas pensassem sobre o assunto, afinal eu penso e não dou jeito nem em mim mesmo.
           Ah, o garçom; mais cerveja; pagamento, troco e gorjeta magra... É deve ser um tipo de relacionamento. Pelo menos ele não faz perguntas para que eu tenha que inventar respostas.
           A noite segue. Os carros vão passando de maneira esparsa, com seus faróis brilhantes e motoristas altivos, bem como os pedestres que a essa altura já não são tantos.
           Os cães revirando os sacos do outro lado da rua me fazem pensar no quanto seria interessante remexer naquele lixo sem ter consciência de que era lixo. Tenho inveja da inocência dos cães desde que perdi a minha.
           Um gato me roça a perna e eu penso que se pode comprar certos amigos com sobras de frango, e quando a noite parece já ter me mostrado tudo quanto poderia de degradante, olho para a gritaria à minha direita e voile: uma legitima briga de boteco se desenrolando. Socos e pontapés trocados entre os dois viventes que por alguma banalidade acharam que deveriam ir às vias de fato.
           Enquanto os dois se engalfinham eu penso cá com os meus botões no quanto eu e minha espécie nos valemos da mediocridade para impôr nossa vontade de ter poder sobre alguma coisa, como se isso realmente justificasse algo. Certos fins não justificam nada, nós já deveríamos saber.
           Algumas garrafas e dentes quebrados depois, chega a polícia com o seu jeito já característico de agir. Não importa o motivo ou o quem começou, vai todo mundo pro xadrez e fim de espetáculo.
           A mulher da mesa a frente continua me olhando depois de tudo. Sabe, depois dessa cerveja ela deve parecer mais simpática.
           Pensamento voando como sempre depois de umas e outras; turbilhão de cores e sons, mnemonia com gosto de malte e cheiro de perfume doce. Eu quase ouço música, mas não ouso dizer seu nome, nem baixinho, nenhum nome, nunca mais.
           Certo. Pois sobra então tudo o que não machuca tanto. Sobram as luzes da cidade e o riso frouxo das mesas em volta; sombram os cãezinhos que remexem no lixo com sua inocência resguardada na incapacidade de enxergar a sua ou a nossa posição; sobra-me o meu amigo barato, agindo em defesa dos interesses do seu estômago...
           Outra cerveja, e a mulher da mesa de frente já me parece bem mais interessante e, de algum modo, me traz à memória alguém de quem não consigo lembrar o nome; Sinto de repente a necessidade de esquecer tudo o que considero tão mesquinho nos homens e percebo que tudo o que realmente me fica por fim desta noite, é o que sempre resta aos sozinhos em situações como esta.
           Um brinde à bondade da dama à minha frente e nenhum pensamento a mais.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

De profundis a meu modo


   Hoje de manhã, enquanto eu andava pelas ruas do centro cansado e chateado, esbarrei com você em uma calçada. Você parecia apressada e realmente fingiu que não me viu, enquanto eu fiquei completamente atônito observando você caminhar até dobrar a esquina.
   Eu me atreveria dizer, mesmo fazendo da coisa muito menor do que ela é, que foi estranho, mas não foi.
   Foi horrivelmente familiar, como tomar uma injeção; você sabe que aquilo não te mataria, mas você também sabe que não gostaria de passar pela experiência se possível.
   Pois é, te ver sempre é assim, horrível e doloroso. Principalmente porque, quando te vejo por aí, tudo parece ficar em câmera lenta, meu estômago revira e dá uma vontade de correr para te abraçar, senão para fugir de você que nem querendo você imaginaria.
   E lá se foram todas as minhas ideias naquele encontro, e aconteceu o que sempre acontece se eu te vejo: comecei a escrever poemas bobos de amor sobre coisas que não aconteceram. É sempre assim, gasto linhas e linhas escrevendo coisas que você não lerá e passo o resto do dia cansado e chateado tentando pensar que, por mais hipócrita que esta afirmação possa ser, a nossa vida continua.
Sabe, logo quando deixamos de nos ver, eu pensei que morreria, e eu quis mesmo morrer, quis muito.

   Mas eu sobrevivi...acho...

   Sobrevivi porque aparentemente esta é a maior habilidade que possuo, me levar adiante contra todas as possibilidades, como uma verdadeira zebra do existencialismo, mas tem mais aí.
   Eu sobrevivi não porque tivesse vontade de viver sem você, mas porque eu precisava ter certeza de que você continuaria -coisa que me era óbvia,- bem como pela necessidade de ver que você seguia; de saber que estava bem e feliz com um novo namorado ou, quem sabe, qualquer outra conquista que cercasse a sua vida.
   Sobrevivi para ver você crescer, desabrochar como ser humano e ter uma plenitude que não atrevo a imaginar desde o dia em que aceitei viver à sombra da tua ausência.
   O fato é que, depois que eu te vi, meu dia mudou de cor e eu comecei a repensar várias coisas sobre mim e sobre a minha vida; Comecei a pensar no porque de eu não conseguir simplesmente ver você e falar sobre tudo o que eu realmente considero importante.
   Eu comecei a pensar no quanto nós tornamos nossa vida limitada baseada em decisões que tomamos não só por nós, mas pelos outros e por tudo que deveria ser fácil e nós tornamos difícil.
   Depois do nosso encontro de hoje de manhã, me ficou ainda mais claro que essa vida de insatisfações que vivemos é uma piada mal contada, e que é fato que existe algo de inexplicável entre mim e a possibilidade de de aceitar a vida como uma vitrine bonita que eu fico olhando de fora.
   Continuei com a cabeça fervendo enquanto caminhava. Entrei em uma pequena loja, pedi para usar o banheiro e, uma vez lá dentro, chorei, mas chorei muito, como nem mais lembrava que podia.
   Chorei com os soluços abafados pelas mãos sobre a boca e a cabeça mal encostada naquela parede suja, chorei.
   Depois disso foi lavar o rosto, sair do banheiro e voltar para o mundo; voltar para tudo isso que transpira egoísmo e maldade recontando a mentira cotidiana e compartilhada.
   Depois disso, foi voltar a caminhar, e fazer a cada quinze passos uma oração para não te ver mais hoje e outra para te ver bem amanhã.
   Depois disso, viver parecia parecia só viver e nada mais.