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quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Lembranças ao pôr do sol


         Ontem, depois que a febre baixou, você me encheu de perguntas, parecia estar realmente preocupada com as coisas que tenho feito. Lembro bem do jeito como franziu a testa quando eu disse que estava estava tudo bem comigo, que você com certeza tinha coisas mais importantes para pensar e que deveria me deixar com a minha rabugice e ir procurar um mendigo que você realmente pudesse ajudar.
         Lembro que você fez cara de choro, mas como sempre foi forte demais para me deixar te ver chorar, você deu as costas dizendo antes de sair: “Até aqui eu sempre voltei por você, de agora em diante não sei mais”. E você saiu apressadamente pela porta. Confesso a princípio que tive vontade de gritar para que você voltasse, mas depois de refletir um pouco, tratei de esperar que não acontecesse.
         Sempre compliquei tudo para você; Sempre dando dor de cabeça, sempre fazendo bobagem.
Sabe, acabei de lembrar daquela vez em que em que praticamente empalei o meu pé com um caco de vidro depois de saltar de uma árvore. Lembro que quando eu gritei você foi a primeira pessoa que correu em minha direção, com os seus olhos arregalados querendo saber o que tinha acontecido.
Lembro que olhei para o meu pé e abri os dedos e lembro da sua cara ao ver o enorme corte esguichar sangue.
         Você mais do que apressadamente me pegou nos braços, me suspendendo do chão, enquanto todos - inclusive eu- observavam pasmos você me carregar quase em desespero até sua casa e gritar em altos berros para que os seu pais abrissem o portão. Não sei se foi naquele momento que percebi o quanto você era forte, mas sei que foi exatamente ali que percebi o quanto eu te admirava. A verdade é que vi em você naquele exato instante algo que brilhava intensamente aos meus olhos; Uma mistura de nobreza e lealdade que não lembro de ter visto em outro lugar.

         Quando o assunto é você sempre terei tanto o que lembrar...

         Lembra quando eu tomei um porre daqueles e fui parar na sua casa completamente bêbado? Ao dar de cara com o seu portão fechado eu comecei a chorar dizendo que só você me entendia e que eu veria você não importava o que acontecesse. Subi no muro da sua casa às duras penas e quando eu despenquei lá de cima sobre uma pilha de caixas e sacolas de lixo, pude atentar para a importância que teria tido em nossa vida (especialmente naquele dia) um bom relacionamento com os cães da sua família, que prontamente, se dispuseram a me atacar.
         Desastre aquilo não foi? Eu me lembro de gritar feito um maluco enquanto os cães me mordiam...eu gritava o seu nome. E você novamente estava lá, saindo pela porta apressadamente, correndo. E era novamente o meu anjo salvador ordenando aos cachorros que saíssem dali, mesmo debaixo do severo olhar de desaprovação dos seus pais. Eu estava todo mordido, sujo e babado, mas você estava lá, e eu não senti dor até a ambulância chegar para me levar ao hospital.
         Sabe, olhando agora tudo o que aconteceu, todas as vezes que te deixei na mão, a quantidade de vezes que eu fiz burrada e você com o seu jeito muito rígido, mas ao mesmo tempo complacente me pediu para tomar jeito, das vezes que fiquei em pedaços e você juntou os meus caquinhos comigo, eu chego a conclusão que fiz mesmo muita coisa de propósito; Talvez no começo tenha sido para saber qual seria o pecado imperdoável na sua concepção. Depois acho que tudo o que eu queria, mesmo não confessando isso nem a mim mesmo, era te manter longe da minha infinita capacidade de complicar tudo, de manchar as coisas que amo tornando tudo em mágoa e saudade...sabe, eu já não sei.
         Sei é que a esta altura ontem você estava cuidando de mim, esperando que a febre baixasse, e eu lembro de ter chamado o seu nome enquanto delirava; Nenhum outro nome, só o seu. Não sei se você vai ou não voltar, mas o fato é que se voltar eu não poderei ser menos que eu mesmo não é? Então melhor rezar um pouco agora, rezar para que você fique longe e para que eu fique vivo e que mesmo à sombra disso que não se explica entre nós, consigamos pelo menos assistir ao fim do dia sem fazer dele um filme triste.
         Sabe, um ultimo segredo deve fechar esta carta: Eu nunca chorei em nenhum outro pôr do sol.

7 comentários:

  1. Muito bem produzido.
    Sentimentos expressados com maestria.

    Parabens!

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  2. Bem, grato...apesar de não achar essa maestria toda.
    Obrigado Yosh Lee.

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  3. É incrível como eu amo ler os seus textos. Sabe, é um tipo de texto que me faz imaginar a cada situação, é como se eu estivesse lá, vendo tudo o que está se passando e depois chega apenas a voz narrativa do final perfeito. São esses tipos de textos que não me cansam a vista (=

    Parabéns, lhe admiro muito mesmo .

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  4. Muitissimo obrigado Ticiana, você já sabe o quanto levo em consideração a sua admiração, eu só posso pedir humildemente que você continue me lendo e que sou muito feliz de saber que você me tem em tão alta conta.

    Obrigado.

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. Sabes demonstrar sentimentos sem perder a lealdade e a gentileza de um texto muito bem pensado em cada palavra,vírgula e formato.E o mais incrível é que sob tudo tu consegues mostrar mais do que "Lições de vida", demonstra tua alma.
    Saudações corvo.

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  7. Lorena, minha paixão, obrigado pelo elogio, você sabe o quanto levo sua opinião em consideração.

    Amo!

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