Ontem, depois que a
febre baixou, você me encheu de perguntas, parecia estar realmente
preocupada com as coisas que tenho feito. Lembro bem do jeito
como franziu a testa quando eu disse que estava estava tudo bem
comigo, que você com certeza tinha coisas mais importantes para
pensar e que deveria me deixar com a minha rabugice e ir procurar um
mendigo que você realmente pudesse ajudar.
Lembro que você fez
cara de choro, mas como sempre foi forte demais para me deixar te ver
chorar, você deu as costas dizendo antes de sair: “Até aqui eu
sempre voltei por você, de agora em diante não sei mais”. E você
saiu apressadamente pela porta. Confesso a princípio que tive
vontade de gritar para que você voltasse, mas depois de refletir um
pouco, tratei de esperar que não acontecesse.
Sempre compliquei tudo
para você; Sempre dando dor de cabeça, sempre fazendo bobagem.
Sabe, acabei de lembrar
daquela vez em que em que praticamente empalei o meu pé com um caco
de vidro depois de saltar de uma árvore. Lembro que quando eu gritei
você foi a primeira pessoa que correu em minha direção, com os
seus olhos arregalados querendo saber o que tinha acontecido.
Lembro que olhei para o
meu pé e abri os dedos e lembro da sua cara ao ver o enorme corte esguichar sangue.
Você mais do que
apressadamente me pegou nos braços, me suspendendo do chão,
enquanto todos - inclusive eu- observavam pasmos você me carregar
quase em desespero até sua casa e gritar em altos berros para que os
seu pais abrissem o portão. Não sei se foi naquele momento que
percebi o quanto você era forte, mas sei que foi exatamente ali que
percebi o quanto eu te admirava. A verdade é que vi em você naquele
exato instante algo que brilhava intensamente aos meus olhos; Uma
mistura de nobreza e lealdade que não lembro de ter visto em outro
lugar.
Quando o assunto é
você sempre terei tanto o que lembrar...
Lembra quando eu tomei
um porre daqueles e fui parar na sua casa completamente bêbado? Ao
dar de cara com o seu portão fechado eu comecei a chorar dizendo que
só você me entendia e que eu veria você não importava o que
acontecesse. Subi no muro da sua casa às duras penas e quando eu
despenquei lá de cima sobre uma pilha de caixas e sacolas de lixo,
pude atentar para a importância que teria tido em nossa vida
(especialmente naquele dia) um bom relacionamento com os cães da sua
família, que prontamente, se dispuseram a me atacar.
Desastre aquilo não foi? Eu me lembro de gritar feito um maluco enquanto os cães me mordiam...eu gritava o seu nome. E você novamente estava lá, saindo pela porta apressadamente, correndo. E era novamente o meu anjo salvador ordenando aos cachorros que saíssem dali, mesmo debaixo do severo olhar de desaprovação dos seus pais. Eu estava todo mordido, sujo e babado, mas você estava lá, e eu não senti dor até a ambulância chegar para me levar ao hospital.
Desastre aquilo não foi? Eu me lembro de gritar feito um maluco enquanto os cães me mordiam...eu gritava o seu nome. E você novamente estava lá, saindo pela porta apressadamente, correndo. E era novamente o meu anjo salvador ordenando aos cachorros que saíssem dali, mesmo debaixo do severo olhar de desaprovação dos seus pais. Eu estava todo mordido, sujo e babado, mas você estava lá, e eu não senti dor até a ambulância chegar para me levar ao hospital.
Sabe, olhando agora
tudo o que aconteceu, todas as vezes que te deixei na mão, a
quantidade de vezes que eu fiz burrada e você com o seu jeito muito
rígido, mas ao mesmo tempo complacente me pediu para tomar jeito,
das vezes que fiquei em pedaços e você juntou os meus caquinhos
comigo, eu chego a conclusão que fiz mesmo muita coisa de propósito;
Talvez no começo tenha sido para saber qual seria o pecado
imperdoável na sua concepção. Depois acho que tudo o que eu
queria, mesmo não confessando isso nem a mim mesmo, era te manter
longe da minha infinita capacidade de complicar tudo, de manchar as
coisas que amo tornando tudo em mágoa e saudade...sabe, eu já não
sei.
Sei é que a esta
altura ontem você estava cuidando de mim, esperando que a febre
baixasse, e eu lembro de ter chamado o seu nome enquanto delirava;
Nenhum outro nome, só o seu. Não sei se você vai ou não voltar,
mas o fato é que se voltar eu não poderei ser menos que eu mesmo
não é? Então melhor rezar um pouco agora, rezar para que você
fique longe e para que eu fique vivo e que mesmo à sombra disso que
não se explica entre nós, consigamos pelo menos assistir ao fim do
dia sem fazer dele um filme triste.
Sabe, um ultimo
segredo deve fechar esta carta: Eu nunca chorei em nenhum outro pôr
do sol.