Gentil: Essa é sempre a primeira
palavra que me salta à língua quando você me vem à memória.
Foram incontáveis as vezes que você me tratou bem, que acariciou o
meu cabelo pra tentar me deixar menos chateada com algo; que me
poupou de verdades dolorosas com palavras de carinho; as vezes que me
pagou o almoço ou que saltou à minha frente apenas para me abrir
uma porta ou puxar uma cadeira. Você realmente chegava a parecer
bobo de tão bonzinho que era, e você era muita coisa, mas
principalmente gentil.
Lembro que toda noite você andava
uma distância enorme apenas para me acompanhar até a minha casa, e
não importava o quanto eu te enxotasse, você continuava ali,
caminhando ao meu lado, como se quisesse ter certeza de que eu
chegaria bem ao meu destino. Naquele caminho você sacrificou
incontáveis chocolates comigo, a despeito do meu horror de ficar
gorda por qualquer coisa que eu comesse. -Gentil-; acho que a palavra
me veio à cabeça quando lembrei de você me dizendo que não
importava quantas toneladas eu comesse, sempre estaria linda. Gentil,
um doce tão sensível quanto a textura dos chocolates que se
derretiam na minha boca. Gentil.
Eu lembro de tudo que cercava
aqueles dias corridos. Da sua coragem de dizer coisas em alto e bom
som que ninguém mais se atreveria; da sua risada honesta e do jeito
nervoso que você ficava quando tinha que defender seu pensamento
perante outras pessoas; eu me lembro de você tentando me ensinar
sobre filosofia e gramática e realmente não tenho como esquecer
certos momentos que, apesar de estranhos, escondiam algo de
indubitavelmente grandioso. Das lições de abnegação e boa vontade
aliadas ao seu pavio curto inerente quanto às coisas que você
achava absurdas. Lembro-me que você costumava dizer que tinha
nascido no século errado e que, se pudesse escolher um tempo e lugar
para vir ao mundo, este certamente teria sido o Japão feudal onde
você de certo seria um samurai, ou um camponês linguarudo de vida
curta. “Desmiolado”, eu pensava, mas sem dúvida, nobre e...
gentil.
Hoje eu pergunto onde você anda;
se está bem, se ainda sorri do mesmo jeito e se ainda fala as
mesmas maluquices de sempre; pergunto-me se você ainda acha que
dinheiro não é assim tão importante ou mesmo se você ainda vive
tentando “salvar a sua alma”, como você costumava dizer.
Pergunto-me também se outra garota está do seu lado e se você
entrega a ela tudo o que uma vez me ofereceu entre soluços e
lágrimas, e que recusei nessa mesma condição. Realmente me
questiono muito sobre o seu atual estado e sobre como a vida
transcorreu. Devo confessar que sem você passei um tempo me
sentindo, de fato, uma legítima obesa, e eu sei que você riria ao
ouvir isso.
Sabe, as questões sobre você são
muitas, mas, de todas elas só uma não me deixa dúvida: não
importa o que tenha mudado, eu sei que uma coisa em você não muda,
e apesar de eu ter descoberto isso no dia em que parti seu coração,
sei que você continua gentil.
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