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sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Gentileza

        Gentil: Essa é sempre a primeira palavra que me salta à língua quando você me vem à memória. Foram incontáveis as vezes que você me tratou bem, que acariciou o meu cabelo pra tentar me deixar menos chateada com algo; que me poupou de verdades dolorosas com palavras de carinho; as vezes que me pagou o almoço ou que saltou à minha frente apenas para me abrir uma porta ou puxar uma cadeira. Você realmente chegava a parecer bobo de tão bonzinho que era, e você era muita coisa, mas principalmente gentil.
        Lembro que toda noite você andava uma distância enorme apenas para me acompanhar até a minha casa, e não importava o quanto eu te enxotasse, você continuava ali, caminhando ao meu lado, como se quisesse ter certeza de que eu chegaria bem ao meu destino. Naquele caminho você sacrificou incontáveis chocolates comigo, a despeito do meu horror de ficar gorda por qualquer coisa que eu comesse. -Gentil-; acho que a palavra me veio à cabeça quando lembrei de você me dizendo que não importava quantas toneladas eu comesse, sempre estaria linda. Gentil, um doce tão sensível quanto a textura dos chocolates que se derretiam na minha boca. Gentil.
        Eu lembro de tudo que cercava aqueles dias corridos. Da sua coragem de dizer coisas em alto e bom som que ninguém mais se atreveria; da sua risada honesta e do jeito nervoso que você ficava quando tinha que defender seu pensamento perante outras pessoas; eu me lembro de você tentando me ensinar sobre filosofia e gramática e realmente não tenho como esquecer certos momentos que, apesar de estranhos, escondiam algo de indubitavelmente grandioso. Das lições de abnegação e boa vontade aliadas ao seu pavio curto inerente quanto às coisas que você achava absurdas. Lembro-me que você costumava dizer que tinha nascido no século errado e que, se pudesse escolher um tempo e lugar para vir ao mundo, este certamente teria sido o Japão feudal onde você de certo seria um samurai, ou um camponês linguarudo de vida curta. “Desmiolado”, eu pensava, mas sem dúvida, nobre e... gentil.
        Hoje eu pergunto onde você anda; se está bem, se ainda sorri do mesmo jeito e se ainda fala as mesmas maluquices de sempre; pergunto-me se você ainda acha que dinheiro não é assim tão importante ou mesmo se você ainda vive tentando “salvar a sua alma”, como você costumava dizer. Pergunto-me também se outra garota está do seu lado e se você entrega a ela tudo o que uma vez me ofereceu entre soluços e lágrimas, e que recusei nessa mesma condição. Realmente me questiono muito sobre o seu atual estado e sobre como a vida transcorreu. Devo confessar que sem você passei um tempo me sentindo, de fato, uma legítima obesa, e eu sei que você riria ao ouvir isso.
        Sabe, as questões sobre você são muitas, mas, de todas elas só uma não me deixa dúvida: não importa o que tenha mudado, eu sei que uma coisa em você não muda, e apesar de eu ter descoberto isso no dia em que parti seu coração, sei que você continua gentil.




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